quarta-feira, outubro 10, 2007

AMOR INCONDICIONAL

Eu procuro ter uma visão incondicional do amor. É um amor que não cobra, não exige e só quer o bem do outro independentemente de condições. A parte mais difícil acontece quando temos de libertar o outro e deixá-lo seguir o seu caminho, mesmo que não seja ao nosso lado. Deixá-lo partir verdadeiramente, sem rancor, sem ódios, sem mágoas, sem cobranças... transformando um amor passional num amor (fra/e)terno.
Leitora identificada.

E no Pai Natal, minha querida, também acredita? Não raro, fico abismado perante o modo encantador como as mulheres se iludem a si próprias, negando o óbvio e fechando obstinadamente olhos e ouvidos à evidência retumbante, preferindo refugiar-se num mundo onírico e irreal, completamente divorciado de qualquer coerência com a realidade exterior. Amor incondicional?! Que conceito tão extravagante, cara amiga! Se essa sua candura não fosse tão enternecedora, eu ficaria estarrecido perante o absurdo das suas convicções bacocas.

Mas vamos ver se nos entendemos: sabe o que significa, empiricamente, praticar um amor incondicional? Não é só “querer o bem do outro,” como você pensa. Mais que isso, é dar o seu amor. TODO. Sem condições, dúvidas ou restrições. E sem medos. Querer o bem de alguém é fácil, mas oferecer o próprio amor sem pedir nada em troca... isso é outra história. Porque, lamento desiludi-la, mas a realidade é que ninguém dá sem esperar nem que seja um sorriso de prazer da parte de quem recebe. Muito bem, concedo que uma pessoa pode dar uma e duas e três vezes sem receber a mais ínfima retribuição, mas eventualmente desiste porque acaba por acreditar que o outro lado simplesmente não sabe dar valor aos seus gestos de amor. É indispensável dar para receber, concordo. Mas o Amor funciona em ciclo, o que significa que o contrário é igualmente verdade: é indispensável receber para dar (se assim não fosse, não existiriam criancinhas traumatizadas para o resto da vida por falta de atenção dos papás). Todas as pessoas querem ser amadas, mas, de igual modo, todas temem que o amor que têm para dar não seja devidamente valorizado. Portanto, reservam-se, protegem-se, têm medo de se entregar e entregar o seu amor sob pena de sofrer, de ver os seus sentimentos depreciados e rejeitados. Pois para praticar uma visão de amor incondicional, cara amiga, você não pode ter medo de sofrer. Tem de dar, ainda e sempre, apesar de tudo e todos. Mesmo que suspeite que o alvo da sua afeição não saiba dar valor a esse amor. É essa a verdadeira concepção do amor sem condições que de facto não cobra nada.

Se quer saber, minha querida, acho esse tipo de amor abnegado mais provável, não por parte de uma amante, mas de uma mãe. Pois só uma mãe (ou um pai) dá tudo sem reservas pelo seu rebento, mesmo que este seja um drogado, um salafrário da pior espécie, um dejecto humano em definitivo. Na minha opinião, o conceito de amor incondicional está muito mais próximo do amor parental do que do amor passional. Até mesmo essa noção aberrante de “libertar o outro e deixá-lo seguir o seu caminho” tem tudo a ver com o destino final – e fatal – da relação entre pais e filhos.

O amor incondicional é um conceito muito romântico, mas perigosamente ilusório. N’ “O Zahir,” de Paulo Coelho, um homem procura em desespero a esposa desaparecida. Quando finalmente a reencontra, ela diz: “Sim, eu fugi sem qualquer aviso para outro país, desapareci durante anos e vou ter um filho de outro homem. Mas procura compreender. Eu nunca deixei de te amar, és ainda e sempre o amor da minha vida. Mas, se me amas do mesmo modo, liberta-me, para procurar o meu próprio caminho.” Pergunta pertinente: é isto o amor? Sem dúvida que aquilo que ela pede dele é amor incondicional. Mas onde fica a partilha? O que lhe oferece ela em troca? Apenas egoísmo (e um bonito par de cornos). Ora, puta que a pariu! Enfim, não deixa de ser irónico – quem mais prega o amor incondicional é quem não quer apegar-se a nada nem a ninguém.