INCESTO INFERNAL
“Estou apaixonada pelo meu irmão adoptivo. Sempre partilhámos grande intimidade e é a ele e ao seu apoio que sempre recorro em alturas de necessidade. Com a chegada da idade adulta, apercebi-me que gosto dele mais do que como irmão e acho que o meu sentimento é correspondido. Mas ele mantém-se à defensiva. Acho que se sente reprimido pelo facto de termos sido criados como irmãos e julgo que tem medo de ter de cortar com a minha família, que ele sempre tratou como se fosse a sua, caso uma relação entre nós dê para o torto. Se ele não me fosse tão importante, afastava-me, mas sinto que ele pode ser a minha alma gémea! Que fazer?...”
Leitora anónima
Permita-me avisá-la desde já, cara amiga, que o incesto é um carimbo no passaporte para o Inferno! Com direito a chamas eternas, rios de fogo, sofrimentos infindáveis, diabos chifrudos, enfim, tudo aquilo a que tem direito. É esse o castigo para os heréticos que, como você, querem saltar para a cueca dos próprios irmãos. No entanto (e se isso a consola), está em excelsa companhia. Porque, afinal, quem é que inventou o incesto? Os filhos e filhas de Adão e Eva, nem mais! Porém, ao contrário de si, essa gente sempre se pode desculpar dizendo que não havia mais ninguém no mundo para fornicar para além dos próprios irmãos (embora eu aposte que, no meio dessa rebaldaria desbragada, alguns houve que não tiveram pejo em mandar umas trancadas nos próprios pais). Mas havia que dar continuidade à espécie, não é? E eu acredito que os demónios infernais até lhes dão menos uma ou duas chibatadas por século, em atenção a essas atenuantes.
Quanto a si, cara amiga, o facto de o rapaz ser adoptado torna a sua falta bem mais leve. Não se livra do pecado, pois o facto é que você, sua debochada, foi criada como irmã do homem a quem quer desencaminhar, mas é um incestozinho menor, daqueles que a sociedade até permite. Tal como os enlaces entre primos directos – toda a gente sabe que “quanto mais prima, mais se lhe arrima,” não é verdade? Portanto, esteja descansada. Com certeza lhe está reservado um lugar nos círculos infernais superiores, onde o sofrimento é um pouco menos intolerável, e onde se despeja a ralé inferior, a canalha que não tem coragem para pecar a sério. Ou seja, não tenha pretensões de conhecer o Marquês de Sade por essas bandas. Mas, enfim, não há nada perfeito.
Passemos então à questão em causa. Pelo que conta, o seu irmão parece ter mais respeito que você pelas leis sagradas. Contudo, se bem que a questão do incesto possa ser facilmente torneada, já que ambos não partilham verdadeiros laços de sangue, os receios dele relativamente aos laços familiares não são despropositados. Uma relação amorosa falhada entre os dois culminaria necessariamente na ruptura no seio da família. É inevitável – todos os rompimentos amorosos exigem um afastamento entre as partes envolvidas. E ele deve ser respeitado, pois só assim pode o tempo actuar no sentido de curar as mazelas emocionais. Contudo, nada obriga que esse afastamento seja necessariamente definitivo. Desde que haja vontade de ambas as partes, o reatamento dos velhos laços de comunhão familiar é perfeitamente possível após o afastamento.
Posto isto, e se está realmente segura dos seus sentimentos para com o rapaz, só lhe resta uma opção: abrir o jogo. Dada a delicadeza da situação, é melhor que ambos sejam sinceros e estejam bem certos de querer uma relação amorosa, sob pena de provocar uma ruptura na família se o não fizerem. Não tenha receio de abrir o jogo, seja romântica e atire-se de cabeça. Lembre-se que é sempre melhor para si lutar pelo que acredita e perder, do que viver uma vida frustrada e na interrogação do que poderia ter sido. Não são apenas palavras bonitas; mais que isso, exprimem a diferença entre encarar-se a si mesma como uma lutadora corajosa (e, muito bem, talvez até um pouco suicida) ou como uma frustrada medrosa. Além disso, nunca se sabe se o seu adorado irmão não está ardentemente desejoso de passar uma eternidade tórrida consigo no Inferno...
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